sexta-feira, 5 de maio de 2023

EXTREMA-UNÇÃO

 


Eu estava ali, um tanto

Tonto. Atônito. Paralisado.

O som das chaves virando

E secamente destrancando

A porta.

Havia um sinal em sua nuca.

Queria beijá-lo. Beijá-la

Cheirá-lo. Senti-la.

Mas o peito fumegava

Eu me afogava em terra firme

Fechei os olhos, a porta rangeu.

Senti uma leve brisa

Cheiro de jasmim e canela

Deu dois passos, acendeu a luz

Convidou-me a entrar

“Pronto”, eu sabia.

Em breve, morreria.

Seus brincos tilintando em suas orelhas

O colo impecável, sedutor

O sorriso, os lábios molhados...

A extrema-unção me aguardava.

O que havia de forte em mim

Se fora.

Trancou a porta. Voltou-se. Encarou-me.

- O que quer?

Eu ouvia o som das batidas no peito

Como os tímpanos de uma orquestra

- Quero sentir o aroma de tua nuca

Sorriu. Despretensiosa. Sem malícia.

Apenas soberana.

Beijei-a com força, sem jeito, faminto

Mordi a boca por acidente, 

Meti a língua nos seus dentes...

Agonia, sofreguidão, pavor

Um desalento, uma tristeza.

Um choro que não chora

Sem lágrima. Apenas suor e mucos.

Minhas mãos subiam, desciam, passeavam

Perdidas, tontas, bobas. Apertavam e soltavam,

Puxavam e sentiam. Respirava seu hálito,

Engolia-o, envenenava-me dela.

“Por esta santa unção e pela Sua infinita misericórdia”...

Contra o chão duro, frio,

A pele macia e quente.

Os seios me encaravam, preguiçosos, sonolentos

Despertei-os com minha saliva. Arrepiei-os com minha língua.

Ouvia os sussurros, os convites para o suplício magnífico

Meu peito se apequenava. Eu me apequenava, e quase

Me acovardava! Porque todo oásis daquele corpo

Estava ali para que eu bebesse e comesse,

E eu queria! E como queria! E como quis!

Como escrevi sobre isso, como gozei por isso,

Como imaginei aquela posse, aquela data, aquela hora,

Aquele chão, aquela morte! E no fim,

No ato final,

Tudo era verdade. E tudo era grande. 

E tudo era...sublime!

...o Senhor venha em teu auxílio...

Sua mão tateou minha pélvis, tomou das calças o que queria

E me meteu em si mesma. Assim, sem mesura

Como se eu fosse um objeto.

Uma coisa subalterna e inanimada

Uma coisa DELA!

Enchi-me de ânsia, esperma e fúria!

Enterrei-me, forcei-me, joguei-me  

Como herói que desmantela um covil

De ladrões, assassinos, monstros!

“...com a graça do Espírito Santo, para que, liberto dos teus pecados...”

E dentre os pecados, o meu era pior

Porque me julguei capaz de suportá-la

De abarcá-la e apreendê-la e talvez - pobre de mim!

Vencê-la.

Mas sua testa franzida, sua boca entreaberta

Seus gemidos vadios, suas palavras chulas

Suas unhas vermelhas riscando meu peito...

Sua vulva me mastigando, engolindo, sufocando

Me roubando, me levando, me vencendo

Fechei os olhos. Eu estava findado

Fadado. Fodido!

Por crer ingenuamente que podia.

Por crer estupidamente que EU fodia!

“...Ele te salve e, na Sua misericórdia...”

Senti o terremoto em seu corpo.

Convulsões e espasmos.

Os larápios do covil brindavam, embriagados

Eu seria abatido, fácil e rápido

Como ovelha mansa no pasto

Bastava um golpe. Um último

Murro no colo do útero

“...alivie os teus sofrimentos.

Gozei. Quente, dolorido e intenso.

Matei seus bandidos, minha bela senhora!

Afoguei-os no mar branco

Das minhas entranhas.

Caí no orvalho morno daqueles seios

Acesos e vívidos.

Felizmente, estou morto.

Aqui jazo.

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